quarta-feira, 29 de agosto de 2007


O Carteiro e o Poeta

No último final de semana revi O Carteiro e o Poeta, filme de 1994, do diretor Michael Radford, que conta a história (fictícia) da amizade de um carteiro com o poeta chileno Pablo Neruda, na época de seu exílio, na Itália, nos anos 50. Que filme lindo! Esta foi a terceira vez que assisti ao filme e pela terceira vez me emocionei. Sou um homem emotivo do tipo que não gosta de despedidas e que fala frases de carinho e amor para amigos e amores. Portanto, tenho uma identificação muito grande com esse filme.

Na infância pensei que minha emotividade fosse passar conforme eu fosse crescendo. Na adolescência imaginei que as pessoas adultas seriam mais frias e eu, consequentemente, não seria tão emotivo quando fosse adulto. Já na fase adulta percebi que não tinha jeito e minha sensibilidade de artista não me permitiria ser frio como muitas pessoas conseguiam ser. Foi nesse momento que tomei um susto e, na mesma época, foi lançado o filme O Carteiro e o Poeta.

Daquele momento em diante passei a me perguntar por que algumas pessoas são tão sensíveis e vêem o mundo de uma forma tão complexa, enquanto outras pessoas são tão insensíveis e vêem o mundo de uma forma tão limitada. O que faz uma pessoa olhar para a água que cai da torneira e lembrar do mar – enquanto outra só se lembra da sua sede? O que faz uma pessoa olhar para a comida e lembrar da lavoura – enquanto outra só se lembra da sua fome? Nunca consegui respostas exatas para os meus questionamentos.

Em determinado momento do filme, o carteiro pergunta ao poeta o que ele quis dizer com determinadas palavras. O poeta responde que não saberia explicar de uma forma diferente da que usou em sua poesia. Esse trecho do filme é tão marcante para mim. Na vida fazemos escolhas e, na verdade, por mais que seja óbvio fazê-las de um jeito – fazemos do nosso jeito. Como diria Frank Sinatra, fiz da minha maneira. Não saberíamos fazer diferente. Não seria honesto com nós mesmos fazermos diferente. Somos poetas sem sabermos e a vida não passa de um emaranhado de metáforas.

Sempre amei o cinema. Nele encontrei a vida mostrada nas suas diferentes formas. Foi na sétima arte que percebi que a vida e o mundo não tinham lógica. Toda minha sensibilidade fazia parte da falta de lógica da vida e do mundo e, consequentemente, a insensibilidade de outras pessoas também faziam parte do mesmo contexto. Eu não havia construído a sensibilidade em mim – assim como os insensíveis não haviam construído a insensibilidade neles. Tudo já estava pronto ou veio pronto para nós.

Estou numa fase muito forte de autoconhecimento. De 7 meses para cá parece que comecei a compreender o incompreensível. Tenho conseguido enxergar benefícios no sofrimento. Isso na teoria toda a humanidade consegue, mas na prática só alguns. Dizem que quando você descobre determinadas coisas aqui na Terra você morre. O cumprimento de uma missão torna você desnecessário nesse mundo. Espero não estar morrendo – por que tenho algumas vontades que ainda não foram sanadas. Já o ator Massimo Troisi que fez, brilhantemente, o carteiro, no filme, morreu um dia depois de terminada as filmagens.

Quando eu era mais jovem pensei em ser cineasta. Não o fui porque viver de arte no Brasil é uma loucura e tanto. Além do mais, cinema é uma arte muito cara e eu não tinha condições de começar uma carreira na profissão de cineasta. Mas revendo O Carteiro e o Poeta enxergo nele o cinema que eu faria, caso tivesse me tornado um cineasta. O ser humano precisa ser descoberto pelo próprio ser humano. Deve haver muitas maneiras de se chegar até essa descoberta. Eu escolhi a literatura. Ela é a minha arte. Eu sou o carteiro e eu sou o poeta e, também, sou o espectador. Eu sou humano e essa é uma descoberta que faço – todos os dias – gradativamente.

Nenhum comentário: