terça-feira, 18 de março de 2008


Amor estranho amor

Eu não vou falar mais de amor. Essa história já cansou. Vivo quebrando a cara. Acho que mulher nenhuma quer algo sério mais. Não, elas falam que querem, mas, na verdade, não querem. Você fala em namoro e os olhos delas brilham – e quando tudo começa, elas retrocedem. Elas dizem que não estão preparadas para uma relação estável. Não agora. Dizem que você está indo rápido demais. Sempre tem uma desculpa. Mulher é criativa e suas desculpas são cada vez melhores.

Sou romântico, mas isso nunca me levou a nada. Sou o homem dos sonhos de qualquer mãe para ser o genro dela – mas não o homem para ser o marido de uma mulher. Sou bonzinho demais para isso e mulher detesta homem bonzinho. Mulher gosta de homem sacana – para sofrer muito e depois falar para o mundo que só existe homem filho da puta. Mulher não acredita mais. E eu estou começando a, também, não acreditar mais nesse Amor estranho Amor.

Já fiz de tudo. Tentei fazer tudo certo. E quando o certo não dava certo eu já fiz tudo errado, também, para ver se assim acertava. Mas nada deu certo – nem o certo e nem o errado. Então, eu, escritor, poeta (bela merda), passei a ser visto como o cara estranho que só fala em amor e casamento. Realmente ninguém merece um ET desse tipo em sua vida. Tentei mudar e juro que tentei ser um homem como qualquer outro, metido a garanhão e que pega todas, mas não se apega a nenhuma mulher. Tentei, mas, definitivamente, não é meu estilo.

Voltei a ser o que sempre fui. Sou um homem doce – embora nem eu mesmo saiba o que significa ser assim. Sou uma flor sem espinhos num jardim de rosas. Mas não sou isso por que quero. Nasci assim. Essa é aquela cruz que carrego comigo. Sou artista sensível – embora não seja gay. Sou um homem com olhar de homem e com palavras e sentimentos femininos. Então, algumas mulheres me acham o amigo ideal. Lembro que uma vez uma delas me disse que eu era sua melhor amiga de calças. Belas palavras para dar um fora num homem! Diga-me, caro leitor amigo do Comunique-se, se elas não são criativas?!

E assim vou vivendo – escrevendo e sofrendo meus amores impossíveis. Como disse, certa vez, um louco: o impossível só existe até o momento que alguém vai lá e faz. Estou aqui acreditando no amor e nas palavras de todas que um dia já disseram me amar. Continuo sonhando com a igreja, com a aliança e com todas aquelas coisas que sonham os que amam como eu. Estou fora de moda, é bem verdade, mas no meu coração reside um homem que não desistirá, um só minuto, de ser feliz. Comecei esse texto dizendo que não falaria mais sobre o amor. Falei. Disse em algum momento que já estava para não acreditar mais nesse sentimento. Ainda acredito. É difícil: amor estranho amor.


domingo, 9 de março de 2008


Não chores por mim, Brasil

Eu pago para ver que país o Brasil vai virar. Não será de algodão doce – tenho certeza. Nem será nunca conto de fadas do Walt-Disney. As pesquisas não interpretam o que ele já é. Presidente e ministros não entenderam nada. O Brasil é mais que uma piada, mas a gente também não entendeu. Chega daquela conversa de país do futuro, né? E nas esquinas os pedintes também não sabem de nada. Já os livros didáticos..., ah, esses não sabem nem quem descobriu o Brasil.

O trânsito está caótico na rua aqui perto de casa. No hospital aqui do lado tem uma fila de gente esperando para morrer. Os bancos, na rua da direita, não sabem mais onde colocar todo o seu dinheiro. E as escolas, aqui pertinho, estão em greve – mas os professores (que sabem tudo) não sabem o motivo da paralisação. Os alunos resolveram cabular aula, mesmo sem aula. E nas farmácias aqui do bairro estão vendendo remédios para engravidar, para abortar, para resfriado e para qualquer coisa. Negócios são negócios.

O Brasil não é Cuba. O Brasil não é Estados Unidos da América. O Brasil não é Afeganistão. Quem é o Brasil, então? Coço a cabeça e escrevo devaneios. O asfalto está um buraco só. A cozinha está no lugar do quarto e o quarto no lugar da sala. Na verdade, tudo não passa de um enorme banheiro. O dinheiro escorre pelo ralo e brasileiro não existe – ele é uma ficção criada pela Rede Globo. Segura o guarda-chuva com força que a chuva é de pedra na cabeça do povo. Segura com força, tá?

Janeiro, fevereiro e março. Sai da frente que lá vem a mordida do leão. A selva faz do brasileiro um bicho. Estou contando as moedas para comprar uma cueca nova. Seu José está contando as moedas para comprar um litro de leite. Dona Maria queria contar as moedas – mas moedas não há para contar. E o futebol, hein? Que delícia! E o samba, hein? Que maravilha! E as belezas naturais? Que lindas! E o filho do filho do meu vizinho pedindo no farol? Pula essa parte! O que for com os outros não é comigo.

Ah, mas olha que bandeira linda tremulando no mastro. Corre, corre, corre que estão vindo os bandidos! Corre, corre, corre que estão vindo os policia (sic)! Meu chinelo de dedo, minha calça rasgada, minha camiseta regata, meu boné puído e o calendário passando, passando, passando e o Brasil cheirando à rosas pretas e espinhosas. Meu país é uma esmola jogada fora da bacia. Não chores por mim, Brasil, eu sou apenas mais um brasileiro; chores por ti ao olhar-te no espelho. Quanta decepção!

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Obs: esse texto é da minha querida amiga, Juliana Lanzuolo!
como estava sem título, eu tomei a liberdade de dar um pra ele:
Utilidade obscena
Começo me perguntando se num dia útil, você pode mesmo, de verdade, ser útil para alguém. Mas aviso que quero provocar uma reflexão não sobre a vontade de ser útil, mas de - numa cidade (e por que não me dizer sociedade) como essa, de encontrar pessoas receptivas à sua utilidade.

Pra começar o transporte é mesmo de lascar! E por mais que saiamos perfumados e aprumados de casa, logo nos percebemos completamente desalinhados após a verdadeira aventura que é desembarcar de um ônibus em São Paulo. E foi justamente num dia como esse em que, na verdade, embarcar no Estação Berrini – Conceição foi uma grande sorte, que eu conheci Daniela.
Estava passando o bilhete pela frente e entrava pelos fundos quando uma voz suave se oferecia pra segurar as minhas coisas. Olhei praquela moça de branco, naturalmente profissional da saúde, e não pude evitar de pensar "que afortunada conseguir sentar em pleno horário de rush", enquanto os meus pezinhos se contorciam no salto alto. Bem, ao menos pensei – agradecendo a gentileza – que agora teria as mãos livres pra poder me escorar dos solavancos que certamente me irritariam durante o caminho pra casa.

Um pouco mais adiante, o banco ao lado da moça vagou e eu me sentei. Foi então que comentários sobre o relaxo das autoridades em relação ao transporte quase que saltaram de nossas bocas – fato que, inclusive tem se tornado recorrente nos meus dias úteis e, por isso, concluí que o paulistano precisa desabafar dentro do ônibus porque já é incapaz de botar a boca no trombone praqueles que realmente têm que ouvir.

Eu já tinha me calado enquanto a enfermeira Daniela – a essa altura já tinha se apresentado – não parava de tagarelar. Sua voz que se misturava com a do cobrador pedindo pela enésima vez pro "irmão girar a catraca por gentileza" me irritava, mas ela não parava de contar a vida.
Bom, eu como não costumava economizar palavras (salvo em dias cheios como aquele) resolvi me render a um papinho de meia hora.

Fiquei surpresa porque saltei do ônibus sabendo tudo sobre a família de Daniela. Ela tinha até se oferecido para enviar um currículo meu e também da minha amiga recém formada em nutrição – porque, segundo ela mesma "as coisas estão difíceis pra todo mundo e a gente têm que se valer das oportunidades".

Gostei de Daniela. Imagina! Num ônibus! "Agora tenho histórias de lotação pra contar" – pensei, muito ingênua, enquanto arrumava uma identificação adequada pro numero da enfermeira no meu aparelho celular.

Caminhei até em casa ainda atônita, pensando como uma moça que nunca tinha me visto na vida poderia ter sido tão solicita, disposta até a arrumar um emprego para mim e também para a Larissa – que ela nem sequer conhecia – enquanto a Andréa Parise, aquela minha amiga do colegial que hoje trabalha numa das maiores rádios do Brasil não ousou mexer o mindinho pra tentar uma pontinha como radio escuta pra mim. E eu acreditava que eu podia chamá-la de amiga! Imaginem que ela tinha respondido ao meu caderno de perguntas no primário, debutado na minha festa de 15 anos e erguido o diploma de jornalista junto comigo! Hoje ela era repórter! Repórter! Minha Colega! E não podia... não, não podia tentar uma merda de vaga de radio escuta pra mim?

Pois eu via mesmo que ela tinha o nariz em pé desde pequena. Bem me lembro de tantos recreios que passamos juntas e ela sempre se negou a repartir as bisnaguinhas com queijo prato comigo! Como agora eu pleiteava justo com ela uma vaga como radio escuta? É, eu era bem ingênua mesmo!

Garanto que eu virei farelinho na memória dela. Dela e da Carolina Correa para a qual eu só servia pra fazer companhia enquanto eu bajulava e achava ela mais bonita que a Brigite Bardot.
Opa! Tive que parar, caso contrario faria uma lista de ingratos e insensíveis! Pessoas que passaram pela minha vida – como diz o poema – como cometas e não como estrelas, a troco de alguma coisa que eu nem sei o quê. Exatamente! Passaram voando sem nem dizer o porquê estariam de partida, porque não era mais conveniente. E envolta neste pensamento (torturante) a essa altura eu já estava no meu quarto olhando aquele mural de fotos velho e ultrapassado, cheio de demonstrações de amizade vencidas, sentimentos expirados com o tempo simplesmente porque, sem saber a razão, eu já não tinha mais utilidade. E, antes de descartá-lo como uma roupa velha que não me cabia mais, eu adormeci.

No dia seguinte não lembrei mais da "Daniela Lotação", mas o nome ainda continuava gravado no meu celular, assim como tantos outros que – em sua maioria – preencheram dias a fio da minha vida e, não por causa do transporte da cidade, mas sim da sociedade vazia, se tornaram apenas espaços preenchidos na memória do meu celular.

O tempo passou. Muito tempo mesmo! Só lembro que era um dia útil e eu estava no trabalho, pensando no menino que eu tava saindo e que eu, de verdade, queria promover assim como um amigo meu me recomendou. Mas, como eu disse a ele "a sociedade é machista e eu também!"
Naturalmente, eu arquitetava um jeito de lhe dar indícios de que agora ele nem era tão magrinho assim e nem era mais tão chato (e sim estimulante) ouvi-lo falar de pocket books - pra ver se ele me promovia . Enfim, que pelo simples fato de eu gostar dele e querer dizer bom dia e cuidar e bla bla bla, ele servia. Servia porque ele era assim, do jeitinho franzino dele. Sem tirar nem pôr. Com toda a inteligência, gentileza e cordialidade. Sem mais. Não queria tirar proveito de nada além do bom dia, da boa companhia e da maneira como ele "me fazia bem e me deixava mais segura" – novamente segundo meu bom e observador amigo.

Pois bem, eu já ia me perdendo em tanta descrição, quando o meu telefone tocou, me despertando de minha paixonite aguda.
"Daniela Lotação chamando...."

Atendi curiosa, quase que sem deixar o segundo toque soar e lá estava ela! "Ah, a Daniela! Que bons ventos a trazem?"Os minutos de conversa (fiada) iam se passando e ela lá, a simpatia em pessoa! Como era querida a Daniela! Perguntando como eu tinha passado a virada de ano, como estava o trabalho, a família... Eu já quase poderia elegê-la uma colega!

Mas, infelizmente, logo descobri minha utilidade pra dissimulada Daniela: em menos de 10 minutos ela tentava que eu fosse uma cliente em potencial para seus produtos Natura!
Meu castelo de areia novamente desmoronou! 15 minutos de ilusão, achando que eu podia começar a regar uma nova plantinha, quando me transformei num prospect! Mas será o benedito?

Não gosto dessa conclusão. Mas a verdade é dura, como a maioria dos dias: sinta-se útil pra você mesmo, antes de buscar uma serventia para terceiros. Porque essa serventia já existe e é inerente. São interesses onipresentes em (quase) todas as relações humanas. Há ainda quem queira lhe dar bom dia apenas pelo simples desejo que o seu dia seja mais feliz, iluminado? Ou talvez tenha lhe desejado porque o seu bom dia o trará certo benefício também? E enquanto boas intenções estão difíceis de identificar fora dos centros de caridade, peço que cuidem da serventia para si próprio; plante e cultive –a da melhor forma, porque essa sim o fará bem, sem olhar a quem, e não tem prazo de validade.

A mulher da minha vida

Coloquei as mãos nos bolsos e o mundo inteiro girou dentro da minha cabeça. Era eu na iminência da mudança. O amor caminhava pelo desconhecido, ao meu encontro, para mudar tudo. Minha espera de anos me fez viver os amores errados. O tempo me mostrou que não há amor quando esse sentimento é unilateral. Agora era chegada a hora de tirar as mãos dos bolsos para abraçar o meu destino. Eu sorria para a mulher que mudaria a minha vida. E essa mulher me sorria – imensamente linda – com sua boca, olhos e coração. Quando me dei conta já alisava seus cabelos pretos e bebia nossa alegria na mesa de um bar. Foi assim que tudo começou a mudar e meus olhos retomaram um antigo brilho que, confesso, pensava não existir mais. É incrível como depois de apenas alguns dias de felicidade a vida já me parece mais doce e o ar me parece mais leve. É incrivelmente doce e leve estar feliz.

Eu diria que a mulher dos meus sonhos se tornou reflexo da minha vida de sonhos – de esperanças – que começou ainda cedo quando eu, ainda criança, andava pelas ruas do bairro da Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Eu pensava como eu seria quando fosse grande e, quando esse dia chegasse, quanto grande eu, realmente, seria. O garoto cresceu. Como diria o já falecido sambista João Nogueira: beijaram-me a boca e eu virei poeta. Mas minha poesia nunca foi o bastante. Todo poeta precisa de sua musa inspiradora. Ele escreve por ela e para ela – mesmo que suas palavras tenham significados para milhões de pessoas.

Mas agora a minha musa chegou. Depois de 31 anos que escrevi para as musas erradas – tenho a musa certa ao meu lado. Não me arrependo de nada. Escrevi sempre os sentimentos que acreditava. Fiz o melhor. Antes de ser poeta eu quis ser homem – ser responsável – ser alguém que minha família, meus amigos e, também, a minha amada tivessem orgulho. Antes um homem de verdade, depois um escritor. Esse sempre foi meu lema. Meus escritos sempre tiveram mais coração que qualquer outra coisa.

Valeu a pena esperar. Valeram a pena as dores pelo caminho. Valeram a pena todas as ilusões e todas as bobagens vividas e acreditadas durante o trajeto. Eu nunca achei que amar e, ao mesmo tempo, ser amado, fossem coisa fácil. Eu sabia que levaria muita chuva na cabeça antes dos primeiros raios solares chegarem brilhosos e bonitos. Caro leitor amigo do Comunique-se, nunca desista de ser feliz – mesmo que tudo pareça impossível e sem lógica. O amor não tem lógica mesmo, mas é possível e é lindo.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008


O Dr. Analogia

Segundo o dicionário Aurélio, analogia é um ponto de semelhança entre coisas diferentes. Não sei quando, exatamente, descobri isso – mas confesso que mudou a minha vida. Ah, e também a vida de quem ouve minhas histórias. Eu descobri que poderia dizer tudo que tinha para dizer, e ainda tenho, de uma forma mais simples. Então, é como imaginar um carro com quatro cachorros dentro, mas nenhum deles sabe dirigir. Sorte deles que no volante está uma girafa. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

A arte da analogia está na simplificação dos assuntos. Ela serve para isso. Eu conto uma história e, de repente (nunca pode ser uma coisa planejada), eu dou exemplo daquilo que estou falando – mesmo que esse exemplo não pareça ter nada a ver com o assunto – e a pessoa que me ouve entende perfeitamente o que eu quis dizer, melhor: ela jamais esquece daquilo, pois a imagem da analogia costuma ser muito mais marcante que a imagem da realidade. Então, é como se você tivesse dentro de uma sala de cinema assistindo um filme pornô, mas com a Pamela Anderson ao seu lado. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

É claro que o sujeito que faz a analogia tem que ser talentoso para a coisa. Não basta apenas dar um exemplo de qualquer jeito. Eu diria que é necessário ele visualizar toda a cena numa fração de segundos, alternando os personagens, da história real para a fictícia e da fictícia para a real, sem que ninguém destoe do seu papel. Então, é como se, ao ler um livro de 300 páginas falando sobre a vida do Raul Seixas, você estivesse no banheiro limpando tudo que precisa limpar com páginas da Folha de São Paulo. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

No Comunique-se tenho, faz dois anos, abusado das analogias. Meus textos dificilmente dizem o que parecem dizer. Aqui meu trabalho não é apagar a fogueira, mas jogar lenha nela. Analogia para cima e para baixo, metáforas no meio e nos lados. Parece tudo uma grande putaria, mas não é. O meu objetivo é claro – mesmo que esquisito. Então, é como se você cantarolasse a mesma canção mudando a letra o tempo todo. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

Fazer analogia para mim é uma questão de sobrevivência. Minhas palavras gritam o tempo todo "Decifra-me ou eu te devoro!". A vida me bate na cara o tempo todo. O coração quer sair pela boca o tempo todo. Estou voando e engolindo todas as nuvens que encontro pela frente. Minha poesia não tem nada de poética e minha caneta é uma arma disparando sob a luz e as sombras. Então, é como se meu céu fosse formado por estrelas que eu mesmo desenho – não vou esperar a claridão chegar, pois tenho pressa de viver. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

Então, ao contar minhas analogias, minhas amigas coçam a cabeça e os meus amigos coçam outra parte do corpo. Todos fazem cara de conteúdo – arregalando os olhos e fazendo um movimento afirmativo com a cabeça. Assim, percebo que consegui ser entendido e me sinto um gênio das palavras – um contador de histórias como poucos – me sinto "O cara". É como você fechar os olhos e imaginar o Paulo Coelho sentado numa cadeira da Academia Brasileira de Letras tomando chá e comendo bolacha. O caro leitor amigo do Comunique-se me entendeu?!

Brasileiro

Chinelo de dedo sujo de barro
Roupa fedida com suor antigo
Peito rosnando feroz o catarro
Criança esmolando seu abrigo

Moleque de um olhar travesso
Nariz que escorre toda meleca
Vida de pobre almeja o apreço
Miséria só muda se virar atleta

Dói na alma uma fome contida
Dentes podres sorriem da sorte
Menino espera alegrias da vida
Cresce artista fugindo da morte

Até que um dia a velhice ganha
Não existe amor e nem dinheiro
Artista honrado recusa barganha
Meu Deus, fui só BRASILEIRO



domingo, 20 de janeiro de 2008


Velhos

No silêncio da minha velhice, sentei naquele tamborete velho e espiei a mata ao meu redor. Vi que a chuva leve molhava o verde e ajudava o vento ganhar leveza também. Meus olhos cansados já não viam além da primeira serra. E pensar que um dia, quando criança, eu avistava tudo. Mas fazia muito tempo. Estava com 79 anos agora. Eu era um velho. Eu era muito mais velho que o meu tamborete velho.

Passei a mão direita sobre a mão esquerda na tentativa inútil de apagar as manchas da pele. Olhei para as unhas grandes e lembrei da preguiça de procurar um cortador de unhas durante toda a semana. Procurei o velho Duque pelo terreiro e não vi nada, além de sua coleira pendurada no varal. Meu dia estava mais lento que a lentidão habitual. Dia de chuva sempre me deu muito sono.

Deixei esse sertão ainda menino. Fui para a cidade grande e trabalhei como uma mula. Casei e tive 3 filhos. Separei e casei de novo. Tive mais um filho. Depois fiquei viúvo e, de repente, percebi que havia ficado velho. Essas coisas a gente percebe tão tarde. Então, resolvi voltar para o meu velho sertão. Viver sozinho com a natureza. Aproveitar o que não tive tempo na minha mocidade ou apenas esperar o fim.

Quando voltei para o meu sertão, meus filhos falaram que eu estava louco em ir viver sozinho num lugar tão longe de tudo. Eles ainda não perceberam que também já estão velhos. O tempo não perdoa uma alma viva nessa Terra. E na cidade grande a dor da velhice é muito mais aguda. Voltar não foi a maneira que encontrei para ficar jovem de novo. Voltei para não esquecer que já fui jovem um dia.

Sertão também é sinônimo de sol e seca. Isso na minha cabeça – nem sei o que diz o dicionário. E olhando uma chuva fina molhando de forma lenta e constante pensei: até o sertão já está velho. Definitivamente ele não é mais o mesmo. Envelhecemos juntos. É claro que mais hora menos hora eu iria embora e ele ficaria apodrecendo parado. Mas é assim mesmo. Cada um tem o direito de envelhecer e morrer onde, quando e como lhe convém. O sertão não tem pressa.

Peguei a caneca de alumínio que estava ao meu lado e tomei um gole d’água. Olhei mais uma vez ao meu redor na tentativa de encontrar Duque – mas aquele velho cachorro devia estar correndo atrás de algum bicho pela mata. Então, naquela manhã de domingo, sentado em meu tamborete velho, reclinei o corpo para frente escorando a boca no cano da espingarda, que segurei fortemente com as duas mãos. Fiz a derradeira oração, em pensamento, e apertei o gatilho, no silêncio da minha velhice.


Ex-nAMORada

Onde você está? Tento sentir seu cheiro com o vento. Não consigo.

Está um calor terrível e eu aqui na areia da praia imaginando você.

Onde você está? Telefonei várias vezes pela manhã. Só ouvi silêncio.

Como você pode ter sumido de repente e me deixado tão triste e só?

Onde você está? Talvez tenha saído com uma amiga ou...! Não. Não.

Ciúmes? Imagina! Não sou ciumento. Mas não custava me ligar, né?

Onde você está? Meu olhar e meu sorriso estão muito carentes de você.

Releio o cartão que você me deu cheio de corações. Ele é lindo mesmo.

Onde você está? Estou olhando as ondas e enxergando nelas o seu rosto.

Não sei se devo te telefonar mais uma vez. Quero. Mas não sei se devo.

Onde você está? Não quero pensar que você está me evitando. Isso não.

Talvez conversando a gente possa consertar as coisas erradas. Talvez.

Onde você está? Eu não tenho dúvidas sobre o meu amor por você.

Será que você ainda me ama? Será que você me amou um dia? Será?

Onde você está? Eu vou ligar mais uma vez. Mas juro que será a última.

- Amor?! Sou eu...
- (Tum, tum, tum, tum, tum...)


Dois cafajestes sem pão de queijo

Eu, Fábio de Lima, nunca fui o Hugo Carvana. Ele, o José Paulo Lanyi, ex-companheiro de Comunique-se, nunca foi o Jece Valadão. Estamos longe de sermos cafajestes. Quando muito, podemos ser chamados de estelionatários das letras, pilantras das palavras, contadores de histórias, espancadores de teclados ou poetas de ribanceiras. Mas, logo depois do Natal, resolvemos ser cafajestes por alguns dias. Queríamos paz interior, aventuras e sexo – não necessariamente nessa ordem. Viajamos para o Sul de Minas Gerais. Fomos para São Thomé das Letras, distante 355 km de São Paulo.

- Essa viagem será ótima, Fabião.
- Com certeza, Zé Paulo.
- Ser solteiro é muito bom. Somos livres.
- Que papo gay, Zé Paulo.
- Estou falando das mineirinhas, Fabião.
- Ah, tá. Verdade. Somos livres mesmo, Zé Paulo.

Pegamos o carro – não qualquer carro – um Corsa 99, azul marinho, motor 1.0. Pensamos o seguinte: se conseguirmos ir e voltar sem o carro quebrar, perfeito. Caso ele venha nos deixar no meio da estrada pedindo carona até a cidade mais próxima – seremos três cafajestes e não dois. Com esse pensamento em mente, enchemos o porta-malas de sacolas, barracas, colchonetes, bebidas e, também, malas. Éramos dois simpáticos cafajestes em busca de aventuras pelas paisagens do Brasil – o país mais cafajeste de todos.

- Não vamos correr muito, Zé Paulo. Vamos na manha.
- Não gosto de correr, Fabião.
- Eu também não.
- Mas em estrada também não dá para ficar andando muito devagar.
- Verdade, Zé Paulo.

Depois de quase 4 horas de estrada chegamos a São Thomé das Letras. É uma cidade linda. Inúmeras construções ainda do Século XVIII. Casas feitas com pedras. Pedras grandes e desproporcionais que empilhadas formam uma casa que nos parece uma grande caverna, mas com portas e janelas. Tudo totalmente artesanal. Aliás, inúmeras lojas de artesanato – principalmente em pedra – também se destacam no lugar. Muitas mulheres bonitas, mineiras ou turistas. Além da natureza em abundância. Aquele era realmente o lugar que queríamos para virar o ano.

- Estou gostando do lugar, Zé Paulo.
- Eu sabia que você ia gostar, Fabião. Ele tem sua cara.
- Eu adoro natureza e adoro coisa antiga. Isso daqui me encanta mesmo.
- Você ainda não viu nada.

Chegamos dia 27 e só voltamos no dia 01. Andamos muito pela cidade e arredores, embora tenhamos ficados acampados durante os 6 dias. Visitamos as cachoeiras e ficamos encantados com tudo. O Zé Paulo já é macaco velho em São Thomé – ele visita a cidade há mais de 10 anos. Eu não. Conheci o lugar agora. Mas pretendo voltar muitas vezes. Só uma coisa não gostei: a falta de pão de queijo. Segundo uma moradora da cidade, o pão de queijo de São Paulo é muito melhor que o pão de queijo de São Thomé. Ela disse que por causa do baixo poder aquisitivo da população local – se vende no comércio um pãozinho mais simples – que de queijo não tem nada – mas que as pessoas conseguem comprar. Coisas de Brasil: casa de ferreiro, mas espeto, sempre, de pau.

- Estava aqui pensando, Zé Paulo.
- Não diga?!
- Estou falando sério.
- Eu também.
- Caso o Falavigna (BARBA!) estivesse aqui umas das primeiras coisas que ele procuraria na cidade seria o puteiro. Onde será que fica o puteiro de São Thomé das Letras, Zé Paulo?
- Sei lá, Fabião. Não sou dessas coisas. Mas, por que você acha que o André procuraria o puteiro, Fábião?
- Coisa de cronista, Zé Paulo. Coisa de cronista!

No Réveillon foi aquela festa. Conhecemos duas garotas de Belo Horizonte: lindas! Mas o que mexeu comigo mesmo foi conhecer uma família vinda da Zona Leste de São Paulo. Eu achei a filha de 19 anos uma graça. Despejei meu romantismo, fiz alguns versos de improviso, proclamei-me poeta na frente de toda a família, toda aquela presepada made Fábio de Lima. No final de tudo, nos separamos no meio da madrugada e esqueci de pegar telefone, email ou orkut da garota. Imbecil é pouco para denominar esse poeta dos enganos – esse marginal das rimas tortas.

- Porra Fábio, você já está apaixonado de novo?!
- Não, Zé Paulo. Agora é diferente.
- Você falou isso na semana passada quando conheceu aquela ruiva na Vila Madalena, lembra?
- Mas você reparou nos olhos dela, Zé Paulo?
- Nos olhos da ruiva?
- Não, da loira, Zé Paulo. Ela é linda!
- Puta que pariu! Fodeu! Você está apaixonado de novo!

E assim viramos o ano. Não comemos ninguém – pois cafajeste que se preze vive sempre com água na boca. Mas deixamos 2007 para trás, para a história. Começamos 2008 em terras mineiras, procurando a sorte acompanhada de amores e dinheiro. Sem pão de queijo, é bem verdade, mas a felicidade está perto e posso sentir. Nós, eu e o Zé Paulo – brasileiros – artistas – cafajestes de nós mesmos. Nós, bandoleiros das palavras, dos pensamentos e dos sonhos. Nós, jornalistas pelo ganha pão e artistas por toda a vida. Nós, a terra, o ar, a água e a natureza. Escrever para o Comunique-se é fácil, mas viver a vida como ela tem de ser vivida não é moleza não.

- Puta, que loucura, Zé Paulo! São Thomé das Letras é demais!
- Eu te falei. Não existe lugar mais louco nesse mundo.
- Vou voltar aqui ano que vem, Zé Paulo.
- Esse ano, você quer dizer?!
- Verdade. Esse ano. Foi do caralho, Zé Paulo!
- Viver é do caralho, Fabião! Viver é do caralho!