domingo, 24 de fevereiro de 2008

Obs: esse texto é da minha querida amiga, Juliana Lanzuolo!
como estava sem título, eu tomei a liberdade de dar um pra ele:
Utilidade obscena
Começo me perguntando se num dia útil, você pode mesmo, de verdade, ser útil para alguém. Mas aviso que quero provocar uma reflexão não sobre a vontade de ser útil, mas de - numa cidade (e por que não me dizer sociedade) como essa, de encontrar pessoas receptivas à sua utilidade.

Pra começar o transporte é mesmo de lascar! E por mais que saiamos perfumados e aprumados de casa, logo nos percebemos completamente desalinhados após a verdadeira aventura que é desembarcar de um ônibus em São Paulo. E foi justamente num dia como esse em que, na verdade, embarcar no Estação Berrini – Conceição foi uma grande sorte, que eu conheci Daniela.
Estava passando o bilhete pela frente e entrava pelos fundos quando uma voz suave se oferecia pra segurar as minhas coisas. Olhei praquela moça de branco, naturalmente profissional da saúde, e não pude evitar de pensar "que afortunada conseguir sentar em pleno horário de rush", enquanto os meus pezinhos se contorciam no salto alto. Bem, ao menos pensei – agradecendo a gentileza – que agora teria as mãos livres pra poder me escorar dos solavancos que certamente me irritariam durante o caminho pra casa.

Um pouco mais adiante, o banco ao lado da moça vagou e eu me sentei. Foi então que comentários sobre o relaxo das autoridades em relação ao transporte quase que saltaram de nossas bocas – fato que, inclusive tem se tornado recorrente nos meus dias úteis e, por isso, concluí que o paulistano precisa desabafar dentro do ônibus porque já é incapaz de botar a boca no trombone praqueles que realmente têm que ouvir.

Eu já tinha me calado enquanto a enfermeira Daniela – a essa altura já tinha se apresentado – não parava de tagarelar. Sua voz que se misturava com a do cobrador pedindo pela enésima vez pro "irmão girar a catraca por gentileza" me irritava, mas ela não parava de contar a vida.
Bom, eu como não costumava economizar palavras (salvo em dias cheios como aquele) resolvi me render a um papinho de meia hora.

Fiquei surpresa porque saltei do ônibus sabendo tudo sobre a família de Daniela. Ela tinha até se oferecido para enviar um currículo meu e também da minha amiga recém formada em nutrição – porque, segundo ela mesma "as coisas estão difíceis pra todo mundo e a gente têm que se valer das oportunidades".

Gostei de Daniela. Imagina! Num ônibus! "Agora tenho histórias de lotação pra contar" – pensei, muito ingênua, enquanto arrumava uma identificação adequada pro numero da enfermeira no meu aparelho celular.

Caminhei até em casa ainda atônita, pensando como uma moça que nunca tinha me visto na vida poderia ter sido tão solicita, disposta até a arrumar um emprego para mim e também para a Larissa – que ela nem sequer conhecia – enquanto a Andréa Parise, aquela minha amiga do colegial que hoje trabalha numa das maiores rádios do Brasil não ousou mexer o mindinho pra tentar uma pontinha como radio escuta pra mim. E eu acreditava que eu podia chamá-la de amiga! Imaginem que ela tinha respondido ao meu caderno de perguntas no primário, debutado na minha festa de 15 anos e erguido o diploma de jornalista junto comigo! Hoje ela era repórter! Repórter! Minha Colega! E não podia... não, não podia tentar uma merda de vaga de radio escuta pra mim?

Pois eu via mesmo que ela tinha o nariz em pé desde pequena. Bem me lembro de tantos recreios que passamos juntas e ela sempre se negou a repartir as bisnaguinhas com queijo prato comigo! Como agora eu pleiteava justo com ela uma vaga como radio escuta? É, eu era bem ingênua mesmo!

Garanto que eu virei farelinho na memória dela. Dela e da Carolina Correa para a qual eu só servia pra fazer companhia enquanto eu bajulava e achava ela mais bonita que a Brigite Bardot.
Opa! Tive que parar, caso contrario faria uma lista de ingratos e insensíveis! Pessoas que passaram pela minha vida – como diz o poema – como cometas e não como estrelas, a troco de alguma coisa que eu nem sei o quê. Exatamente! Passaram voando sem nem dizer o porquê estariam de partida, porque não era mais conveniente. E envolta neste pensamento (torturante) a essa altura eu já estava no meu quarto olhando aquele mural de fotos velho e ultrapassado, cheio de demonstrações de amizade vencidas, sentimentos expirados com o tempo simplesmente porque, sem saber a razão, eu já não tinha mais utilidade. E, antes de descartá-lo como uma roupa velha que não me cabia mais, eu adormeci.

No dia seguinte não lembrei mais da "Daniela Lotação", mas o nome ainda continuava gravado no meu celular, assim como tantos outros que – em sua maioria – preencheram dias a fio da minha vida e, não por causa do transporte da cidade, mas sim da sociedade vazia, se tornaram apenas espaços preenchidos na memória do meu celular.

O tempo passou. Muito tempo mesmo! Só lembro que era um dia útil e eu estava no trabalho, pensando no menino que eu tava saindo e que eu, de verdade, queria promover assim como um amigo meu me recomendou. Mas, como eu disse a ele "a sociedade é machista e eu também!"
Naturalmente, eu arquitetava um jeito de lhe dar indícios de que agora ele nem era tão magrinho assim e nem era mais tão chato (e sim estimulante) ouvi-lo falar de pocket books - pra ver se ele me promovia . Enfim, que pelo simples fato de eu gostar dele e querer dizer bom dia e cuidar e bla bla bla, ele servia. Servia porque ele era assim, do jeitinho franzino dele. Sem tirar nem pôr. Com toda a inteligência, gentileza e cordialidade. Sem mais. Não queria tirar proveito de nada além do bom dia, da boa companhia e da maneira como ele "me fazia bem e me deixava mais segura" – novamente segundo meu bom e observador amigo.

Pois bem, eu já ia me perdendo em tanta descrição, quando o meu telefone tocou, me despertando de minha paixonite aguda.
"Daniela Lotação chamando...."

Atendi curiosa, quase que sem deixar o segundo toque soar e lá estava ela! "Ah, a Daniela! Que bons ventos a trazem?"Os minutos de conversa (fiada) iam se passando e ela lá, a simpatia em pessoa! Como era querida a Daniela! Perguntando como eu tinha passado a virada de ano, como estava o trabalho, a família... Eu já quase poderia elegê-la uma colega!

Mas, infelizmente, logo descobri minha utilidade pra dissimulada Daniela: em menos de 10 minutos ela tentava que eu fosse uma cliente em potencial para seus produtos Natura!
Meu castelo de areia novamente desmoronou! 15 minutos de ilusão, achando que eu podia começar a regar uma nova plantinha, quando me transformei num prospect! Mas será o benedito?

Não gosto dessa conclusão. Mas a verdade é dura, como a maioria dos dias: sinta-se útil pra você mesmo, antes de buscar uma serventia para terceiros. Porque essa serventia já existe e é inerente. São interesses onipresentes em (quase) todas as relações humanas. Há ainda quem queira lhe dar bom dia apenas pelo simples desejo que o seu dia seja mais feliz, iluminado? Ou talvez tenha lhe desejado porque o seu bom dia o trará certo benefício também? E enquanto boas intenções estão difíceis de identificar fora dos centros de caridade, peço que cuidem da serventia para si próprio; plante e cultive –a da melhor forma, porque essa sim o fará bem, sem olhar a quem, e não tem prazo de validade.

A mulher da minha vida

Coloquei as mãos nos bolsos e o mundo inteiro girou dentro da minha cabeça. Era eu na iminência da mudança. O amor caminhava pelo desconhecido, ao meu encontro, para mudar tudo. Minha espera de anos me fez viver os amores errados. O tempo me mostrou que não há amor quando esse sentimento é unilateral. Agora era chegada a hora de tirar as mãos dos bolsos para abraçar o meu destino. Eu sorria para a mulher que mudaria a minha vida. E essa mulher me sorria – imensamente linda – com sua boca, olhos e coração. Quando me dei conta já alisava seus cabelos pretos e bebia nossa alegria na mesa de um bar. Foi assim que tudo começou a mudar e meus olhos retomaram um antigo brilho que, confesso, pensava não existir mais. É incrível como depois de apenas alguns dias de felicidade a vida já me parece mais doce e o ar me parece mais leve. É incrivelmente doce e leve estar feliz.

Eu diria que a mulher dos meus sonhos se tornou reflexo da minha vida de sonhos – de esperanças – que começou ainda cedo quando eu, ainda criança, andava pelas ruas do bairro da Vila Mariana, Zona Sul de São Paulo. Eu pensava como eu seria quando fosse grande e, quando esse dia chegasse, quanto grande eu, realmente, seria. O garoto cresceu. Como diria o já falecido sambista João Nogueira: beijaram-me a boca e eu virei poeta. Mas minha poesia nunca foi o bastante. Todo poeta precisa de sua musa inspiradora. Ele escreve por ela e para ela – mesmo que suas palavras tenham significados para milhões de pessoas.

Mas agora a minha musa chegou. Depois de 31 anos que escrevi para as musas erradas – tenho a musa certa ao meu lado. Não me arrependo de nada. Escrevi sempre os sentimentos que acreditava. Fiz o melhor. Antes de ser poeta eu quis ser homem – ser responsável – ser alguém que minha família, meus amigos e, também, a minha amada tivessem orgulho. Antes um homem de verdade, depois um escritor. Esse sempre foi meu lema. Meus escritos sempre tiveram mais coração que qualquer outra coisa.

Valeu a pena esperar. Valeram a pena as dores pelo caminho. Valeram a pena todas as ilusões e todas as bobagens vividas e acreditadas durante o trajeto. Eu nunca achei que amar e, ao mesmo tempo, ser amado, fossem coisa fácil. Eu sabia que levaria muita chuva na cabeça antes dos primeiros raios solares chegarem brilhosos e bonitos. Caro leitor amigo do Comunique-se, nunca desista de ser feliz – mesmo que tudo pareça impossível e sem lógica. O amor não tem lógica mesmo, mas é possível e é lindo.

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008


O Dr. Analogia

Segundo o dicionário Aurélio, analogia é um ponto de semelhança entre coisas diferentes. Não sei quando, exatamente, descobri isso – mas confesso que mudou a minha vida. Ah, e também a vida de quem ouve minhas histórias. Eu descobri que poderia dizer tudo que tinha para dizer, e ainda tenho, de uma forma mais simples. Então, é como imaginar um carro com quatro cachorros dentro, mas nenhum deles sabe dirigir. Sorte deles que no volante está uma girafa. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

A arte da analogia está na simplificação dos assuntos. Ela serve para isso. Eu conto uma história e, de repente (nunca pode ser uma coisa planejada), eu dou exemplo daquilo que estou falando – mesmo que esse exemplo não pareça ter nada a ver com o assunto – e a pessoa que me ouve entende perfeitamente o que eu quis dizer, melhor: ela jamais esquece daquilo, pois a imagem da analogia costuma ser muito mais marcante que a imagem da realidade. Então, é como se você tivesse dentro de uma sala de cinema assistindo um filme pornô, mas com a Pamela Anderson ao seu lado. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

É claro que o sujeito que faz a analogia tem que ser talentoso para a coisa. Não basta apenas dar um exemplo de qualquer jeito. Eu diria que é necessário ele visualizar toda a cena numa fração de segundos, alternando os personagens, da história real para a fictícia e da fictícia para a real, sem que ninguém destoe do seu papel. Então, é como se, ao ler um livro de 300 páginas falando sobre a vida do Raul Seixas, você estivesse no banheiro limpando tudo que precisa limpar com páginas da Folha de São Paulo. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

No Comunique-se tenho, faz dois anos, abusado das analogias. Meus textos dificilmente dizem o que parecem dizer. Aqui meu trabalho não é apagar a fogueira, mas jogar lenha nela. Analogia para cima e para baixo, metáforas no meio e nos lados. Parece tudo uma grande putaria, mas não é. O meu objetivo é claro – mesmo que esquisito. Então, é como se você cantarolasse a mesma canção mudando a letra o tempo todo. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

Fazer analogia para mim é uma questão de sobrevivência. Minhas palavras gritam o tempo todo "Decifra-me ou eu te devoro!". A vida me bate na cara o tempo todo. O coração quer sair pela boca o tempo todo. Estou voando e engolindo todas as nuvens que encontro pela frente. Minha poesia não tem nada de poética e minha caneta é uma arma disparando sob a luz e as sombras. Então, é como se meu céu fosse formado por estrelas que eu mesmo desenho – não vou esperar a claridão chegar, pois tenho pressa de viver. O caro leitor amigo do Comunique-se me entende?!

Então, ao contar minhas analogias, minhas amigas coçam a cabeça e os meus amigos coçam outra parte do corpo. Todos fazem cara de conteúdo – arregalando os olhos e fazendo um movimento afirmativo com a cabeça. Assim, percebo que consegui ser entendido e me sinto um gênio das palavras – um contador de histórias como poucos – me sinto "O cara". É como você fechar os olhos e imaginar o Paulo Coelho sentado numa cadeira da Academia Brasileira de Letras tomando chá e comendo bolacha. O caro leitor amigo do Comunique-se me entendeu?!

Brasileiro

Chinelo de dedo sujo de barro
Roupa fedida com suor antigo
Peito rosnando feroz o catarro
Criança esmolando seu abrigo

Moleque de um olhar travesso
Nariz que escorre toda meleca
Vida de pobre almeja o apreço
Miséria só muda se virar atleta

Dói na alma uma fome contida
Dentes podres sorriem da sorte
Menino espera alegrias da vida
Cresce artista fugindo da morte

Até que um dia a velhice ganha
Não existe amor e nem dinheiro
Artista honrado recusa barganha
Meu Deus, fui só BRASILEIRO