domingo, 17 de junho de 2007


Segredos da vida


- Fecha a porta!
- Por quê?
- Fecha logo!
- Está bem.
- Preciso de contar um segredo...!
- Pode falar.
- Você promete que não vai contar para ninguém?!
- Prometo.
- Jura?!
- Juro, claro, Emanuelle.

Emanuelle havia acabado de atropelar uma pessoa. Foi sem intenção, é claro. Ela dirigia o carro em alta velocidade pela avenida Cupecê, Zona Sul de São Paulo. Eram, mais ou menos, 6 horas da manhã, de um domingo frio.. Na avenida existem alguns radares de velocidade, mas Enanuelle estava com pressa. Além do mais, seu carro tinha placa de Garanhuns, interior de Pernambuco. Ela acreditava que qualquer multa jamais seria cobrada dela. Então, aumentou o volume do som do carro e pisou fundo. "... Eu ando pelo mundo divertindo gente e chorando ao telefone...".

- Eu matei uma pessoa!
- Como é?
- Verdade! Eu matei! Eu estava na avenida e um homem atravessou correndo! Não deu para brecar o carro! Eu juro!
- Calma, Emanuelle. Eu não estou entendendo nada...!
- Porra, eu acabei de atropelar uma pessoa e fugi! Eu fugi, entende?!
- Calma Emanuelle. Talvez a pessoa não tenha morrido. Onde foi isso?!

Juarez era vigia noturno. Homem simples que deixou Pernambuco nos anos 70 e veio tentar a sorte na cidade de São Paulo. Jamais voltou para a sua cidade – nem a passeio. Analfabeto que só sabia desenhar algumas palavras, incluindo seu nome, trabalhou com quase tudo na cidade grande: faxineiro, engraxate, pedreiro, padeiro, mecânico de carro, manobrista, porteiro, mas criou 5 filhos trabalhando, boa parte da vida, como vigia noturno. Dizia que trabalhar à noite era bom, porque ganhava mais.

- Eu fui deixar a Márcia em casa. Ela mora em Diadema. Saímos 5 horas da balada. Ela mora longe! Eu fui lá deixá-la e estava voltando! Eu estava cansada...!
- Calma, Emanuelle, eu vou pegar um copo de água para você.
- Eu não quero água, porra!
- Não grita! Você vai acordar todo mundo.
- Eu matei! Eu matei! Meu Deus, eu matei!

Márcia encontrou sua mãe na cozinha preparando o café. O cheiro percorria toda a casa. Estava morrendo de sono, mas não dava para resistir a um aroma tão bom como aquele. Sentou à mesa com sua mãe e tomou um xícara de café e comeu 3 bolachas, água e sal, que seu pai havia comprado no dia anterior.

- Papai está demorando hoje, mamãe. Eu não vou esperá-lo não. Vou me deitar. Não estou me agüentando em pé.
- Passa a noite na rua, Márcia. Já te falei que eu não gosto disso. Seu pai também não gosta. É perigoso.
- Dancei muito mamãe! Beijei muito! Foi muito legal!
- A sua amiga não achou ruim vir te trazer aqui, tão longe?
- Que isso, mamãe. A Emanuelle é louquinha. Veio aqui rapidinho. Ela é muito gente boa. Demos muitas risadas juntas, hoje.
- Emanuelle é um nome bonito, minha filha.
- Ah, falando em nome, você não sabe, mamãe! A placa do carro da Emanuelle é de Garanhuns! É a cidade natal do papai, não é mamãe?
- É sim, Márcia! Por que o carro dessa Emanuelle é de lá?
- Não sei! Eu perguntei, mas ela disse que era segredo! Ela é louquinha, mamãe!

Emanuelle estava atônita. Achava que aquilo não podia ter acontecido com ela. Não sabia o que fazer. Tudo havia sido muito rápido e inesperado. Queria que fosse apenas um pesadelo, mas não era. Podia ter dirigido mais devagar. Podia não ter ido levar Márcia em casa. Podia nem ter ido àquela balada. Achava um monte de coisa, mas o pesadelo parecia real. Seus pensamentos estavam mergulhados em sangue depois daquela manhã.

- Você quer ir a uma delegacia ou a um hospital, Emanuelle?
- Não sei...! Não sei...! Meu Deus, eu não sei...!
- Quer que eu acorde o papai?
- Não! Por favor, não! Ninguém pode saber! Você me prometeu!
- Mas Emanuelle...!
- Você jurou! Isso será um segredo nosso! Ninguém nunca saberá!
- Tudo bem. Calma. Não chore, Emanuelle...!

Márcia e Emanuelle nunca mais foram a uma balada juntas. Juarez nunca mais voltou à Garanhuns – nem a passeio. E nenhuma multa, por alta velocidade, jamais foi cobrada de Emanuelle. A vida tem os seus segredos.

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