sexta-feira, 8 de junho de 2007

Doce desespero


Cuspi no chão e passei o sapato sobre o cuspe. O relógio da igreja já apontava 9h35. O filho de uma puta estava atrasado mais de meia hora e eu ali, plantado, o esperando. Detesto atraso. Numa hora dessas um cigarro me acalmaria, mas eu havia abandonado esse vício 5 dias atrás. Só que a tentação era grande. Então, endireitei o nó da gravata e fiz um semblante de homem bom, tranqüilo e paciente. Arranquei um talo de capim que brotava do chão, entre umas rachaduras da calçada, e o amassei nas mãos para sentir melhor o cheiro de capim molhado. Foi aí que avistei o padre chegando e entrando com passos apressados na igreja. Sempre evitei matar padres, mas isso não era regra. E, mesmo que fosse, para toda regra existe sempre uma exceção.
Joguei o capim amassado na sarjeta e atravessei a rua em direção à igreja. Fui direto à sacristia. Precisava ser rápido. Mais alguns minutos o sino anunciaria o chegar das 10h00. Antes disso, o serviço precisava ser feito.


- Padre Rogério? O senhor está aí?
- Quem é?
- Estou precisando me confessar, padre. É urgente.
- Já vou.


Escutei um barulho de torneira aberta e sua água caindo. Depois a ouvi sendo fechada. Adiante um silêncio seguido de um chiado como o amassar de papel. Momentos depois vi o padre sair do lavabo e caminhar em minha direção ainda enxugando as mãos com papel toalha. Ele não havia me olhado nos olhos. Parecia preocupado com o seu atraso e tentava organizar seus afazeres antes de começar a missa.


- Meu filho, já vou começar a missa. Podemos conversar depois, né?
- Não padre. Não podemos.


Então, finalmente, ele me olhou e seus olhos encontraram os meus. Neste instante percebeu que não rezaria mais nenhuma missa nessa vida. Antes de qualquer barulho ou justificativa, arranquei a arma de dentro de uma pasta que trazia comigo e lhe dei 2 tiros a queima roupa. Ele caiu quase aos meus pés. Perdi alguns segundos enquanto cuspia em sua boca e dessa vez não limpei o cuspe. Padre Rogério não merecia esse tipo de preocupação.


Padre Rogério foi quem ensinou Alfredinho a tocar violão. O menino tinha 09 anos quando seus pais pediram que o padre ensinasse àquele garoto tímido a tocar um instrumento musical. Dentro de 6 meses Alfredinho já tocava o que queria naquele violão que seu pai havia lhe ofertado, de presente, no Natal. Durante o tempo que Padre Rogério ensinou Alfredinho a lidar com aquele instrumento de cordas, outras coisas também foram ensinadas ao menino. Massagear partes do corpo do padre, que, segundo ele, havia dores constantes, foi uma delas. Morder, lamber e chupar sempre as mesmas partes do corpo do padre também foram outras coisas ensinadas. Padre Rogério fazia as mesmas coisas no garoto e dizia que era uma espécie de prevenção para que o menino não sofresse com dores quando ficasse adulto.


Sai pelos fundos da igreja. Ajeitei mais uma vez o nó da gravata. Segurei a pasta com a mão direita e coloquei a mão esquerda no bolso da calça, enquanto andava tranqüilamente em direção à rodoviária. O mundo não era justo e eu sabia disso. Alfredinho era um bom rapaz. A vida não cuidara dele como deveria e nem ele da própria vida, mas era um bom rapaz. Talvez fosse, definitivamente, o irmão que eu não tinha. Portanto, agora o serviço estava feito e a fina garoa que caia em Avaré, desde a madrugada, havia finalmente parado. Eu não sabia se o sol iria aparecer, mas o céu estava limpo e o dia estava claro.


Obs: trecho do livro DOCE DESESPERO ainda em trabalho de escrita pelo jornalista Fábio de Lima.

"VELHA ROUPA COLORIDA



Você não sente não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer (bis)

Nunca mais teu pai falou: "She's leaving home"

E meteu o pé na estrada like a Rolling Stone...

Nunca mais você buscou sua menina

Para correr no seu carro, loucura, chiclete e som

Nunca mais você saiu a rua em grupo reunido

O dedo em V, cabelo ao ventoAmor e flor, que é de cartaz?

No presente a mente, o corpo é diferente

E o passado é uma roupa que não nos serve mais (bis)

Você não sente não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer (bis)

Como Poe, poeta louco americano,

Eu pergunto ao passarinho: "Blackbird, o que se faz?

"Raven never raven never raven

Blackbird me responde

Tudo já ficou atrás

Raven never raven never raven

Assum-preto me responde

O passado nunca mais

Você não sente não vê

Mas eu não posso deixar de dizer, meu amigo

Que uma nova mudança em breve vai acontecer

O que há algum tempo era novo, jovem

Hoje é antigo

E precisamos todos rejuvenescer (bis)

E precisamos rejuvenescer" (BELCHIOR)


Obs 1: música incidental.

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