domingo, 20 de janeiro de 2008


Velhos

No silêncio da minha velhice, sentei naquele tamborete velho e espiei a mata ao meu redor. Vi que a chuva leve molhava o verde e ajudava o vento ganhar leveza também. Meus olhos cansados já não viam além da primeira serra. E pensar que um dia, quando criança, eu avistava tudo. Mas fazia muito tempo. Estava com 79 anos agora. Eu era um velho. Eu era muito mais velho que o meu tamborete velho.

Passei a mão direita sobre a mão esquerda na tentativa inútil de apagar as manchas da pele. Olhei para as unhas grandes e lembrei da preguiça de procurar um cortador de unhas durante toda a semana. Procurei o velho Duque pelo terreiro e não vi nada, além de sua coleira pendurada no varal. Meu dia estava mais lento que a lentidão habitual. Dia de chuva sempre me deu muito sono.

Deixei esse sertão ainda menino. Fui para a cidade grande e trabalhei como uma mula. Casei e tive 3 filhos. Separei e casei de novo. Tive mais um filho. Depois fiquei viúvo e, de repente, percebi que havia ficado velho. Essas coisas a gente percebe tão tarde. Então, resolvi voltar para o meu velho sertão. Viver sozinho com a natureza. Aproveitar o que não tive tempo na minha mocidade ou apenas esperar o fim.

Quando voltei para o meu sertão, meus filhos falaram que eu estava louco em ir viver sozinho num lugar tão longe de tudo. Eles ainda não perceberam que também já estão velhos. O tempo não perdoa uma alma viva nessa Terra. E na cidade grande a dor da velhice é muito mais aguda. Voltar não foi a maneira que encontrei para ficar jovem de novo. Voltei para não esquecer que já fui jovem um dia.

Sertão também é sinônimo de sol e seca. Isso na minha cabeça – nem sei o que diz o dicionário. E olhando uma chuva fina molhando de forma lenta e constante pensei: até o sertão já está velho. Definitivamente ele não é mais o mesmo. Envelhecemos juntos. É claro que mais hora menos hora eu iria embora e ele ficaria apodrecendo parado. Mas é assim mesmo. Cada um tem o direito de envelhecer e morrer onde, quando e como lhe convém. O sertão não tem pressa.

Peguei a caneca de alumínio que estava ao meu lado e tomei um gole d’água. Olhei mais uma vez ao meu redor na tentativa de encontrar Duque – mas aquele velho cachorro devia estar correndo atrás de algum bicho pela mata. Então, naquela manhã de domingo, sentado em meu tamborete velho, reclinei o corpo para frente escorando a boca no cano da espingarda, que segurei fortemente com as duas mãos. Fiz a derradeira oração, em pensamento, e apertei o gatilho, no silêncio da minha velhice.

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