domingo, 11 de novembro de 2007


Deus e o pipoqueiro

No último feriado, eu andava pela avenida Anhanguera, no centro da cidade de Goiânia, achando ruim o calor forte e achando ruim mais um monte de coisa. Foi quando avistei um pipoqueiro. Eu faminto e o comércio todo fechado. Eu turista e ninguém para pedir informação. Então, não teve jeito, na falta de comida de verdade, me rendi à pipoca. Não que eu seja fã dessa "iguaria", muito pelo contrário, mas fome é fome, e ponto final.

- Uma pipoca, por favor.
- A alma é visível ou invisível?
Eu pensei que o pipoqueiro não havia entendido o que eu falara. Como não custa nada repetir e, se possível, ser mais didático.
- O senhor pode me vender um pacote médio de pipoca?
- Existe vida após a morte?

Aí a situação se complicou. O pipoqueiro parecia estar vivendo num outro mundo ou estar me gozando, sei lá.
- O senhor não quer me vender a pipoca não?!
- Existe alguém mais poderoso no universo que o próprio homem?
Então, eu desisti e virei as costas para o ambulante metido a filósofo e sai andando. Mas aí o pipoqueiro gritou.
- Moço, o senhor quer com manteiga ou sem?
Eu respirei fundo. Lembrei da fome e do comércio fechado. Voltei em direção ao indivíduo com meu sorriso amarelo no rosto.
- Com manteiga, por favor.
No que de pronto ele respondeu de forma bem séria.
- Saindo uma pipoca média, com manteiga, e caprichada.

Enquanto ele mexia a pipoca, antes de colocá-la num pacote, comentou estar pensando muito em Deus ultimamente. Eu lhe dei outro sorriso amarelo.
- Que bom.
O homem, no exato momento, perguntou qual era minha religião e, antes que eu tivesse tempo de resposta, voltou a falar.
- Não tem importância. Todos caminhos levam a Deus, né?

O senhor pipoqueiro, de cabelos brancos, como neve, e o rosto bastante bronzeado, mexia a pipoca para um lado e para o outro, mas nada do meu pacote ser entregue. Pensei em desistir de novo, mas, de repetente, percebi que o letreiro da loja, também fechada, atrás do pipoqueiro, marcava Além Da Vida, e com letras estilizadas – um letreiro bonito. Foi aí que relaxei e esperei o cara parar de mexer aquela pipoca e servir a minha janta. Sim, caro leitor amigo do Comunique-se, aquela pipoca com manteiga seria minha janta de sexta-feira à noite.
- Você acha que Deus criou o mundo em 7 dias mesmo?
O cara era estranho, mas, como de perto ninguém é normal, resolvi entrar na dança e conversar com o maluco pipoqueiro.
- Olha, eu acho que ele fez o mundo em apenas 1 dia. Mas como ele é muito modesto nunca afirmou isso para que os outros não pensassem que ele estava mentindo ou que o achasse prepotente – essas coisas...! Então dei uma gargalhada achando meu comentário bastante espirituoso, mas o pipoqueiro estava sério e continuava mexendo a pipoca. Os segundos que seguiram foram de total silêncio da minha parte e da dele.

Só depois de uns 15 segundos bem constrangedores o homem sorriu e percebi não haver nenhum dente em sua boca. O pipoqueiro era desdentado. E, depois de sorrir, falou que eu deveria estar com a razão – embora ele nunca tivesse parado para pensar com calma no assunto criação do mundo.
- Faz tanto tempo, né?
Foi aí que eu rompi meu silêncio.
- O senhor pode colocar a pipoca logo no saquinho? Estou com muita fome.
- Claro! Por que não disse logo?!

Foi aí que ele me deu um saco de pipoca do grande e de forma muita simpática me deu direito a uma promoção.
- Eu vou te dar uma pipoca grande pelo mesmo preço da média. Já estou indo embora e essa é minha última venda de hoje.
Eu paguei a pipoca e agradeci ao pipoqueiro. Depois caminhei em direção a uma pracinha que havia ali do lado. Sentei no banco da praça e achei aquela pipoca, salgadinha e com manteiga derretida, uma delícia. Eu diria até que foi a melhor pipoca que eu já comi em minha vida. E sentado ali, sozinho, me alimentando, longe de casa e longe de amigos e conhecidos, olhei em direção ao pipoqueiro, mas, estranhamente, não havia mais ninguém ali. Olhei para os lados. Observei todas as ruas e calçadas próximas. Mas nada. Nenhum sinal do homem. Olhei para a fachada da loja e o letreiro estava lá, do mesmo jeito, Além Da vida. Então, acabei de comer minha pipoca e fui embora. Naquela noite pensei muito sobre Deus e o pipoqueiro. Mundo estranho o nosso. Vida estranha a nossa.

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