terça-feira, 11 de setembro de 2007

Bobagens no gelo

O programa Domingão do Faustão, da Rede Globo, exibe um quadro chamado Dança no Gelo. Nele “artistas” globais (ou não) passam dias treinando patinação no gelo e, no final de semana, exibem uma coreografia musical que é avaliada por um júri. Ou seja, é uma competição. Não sei o tempo exato que esse quadro faz parte do programa, mas pelo que escuto dos críticos de TV, ou fofoqueiros de plantão, como preferir, o quadro é um sucesso. Fico intrigado: vivemos num país tropical onde o gelo sempre foi usado para ir dentro da caipirinha apenas, mas o Dança no Gelo traz outra utilidade para a água em estado sólido.

Concordo com você, caro leitor amigo, que pensa não haver nada demais em um programa de entretenimento mostrar uma competição de dança entre “artistas” – em que o palco seja uma pista de patinação no gelo. No entanto, discordo da importância que as pessoas envolvidas dão ao evento. Já escutei “artistas” falarem que a competição mudou suas vidas. Provocou o rompimento de limites. E um monte de idiotices que, no momento, para minha felicidade e paz interior, não me lembro. E é óbvio que essa atração dominical é exibida para os telespectadores como um bem para a humanidade.

A briga por audiência na televisão, nos últimos anos, tem feito que algumas pessoas percam a noção do ridículo. A população brasileira parece interessada no grotesco mesmo. O bonito hipnotiza o telespectador. Corpos bem cuidados, fama e dinheiro são requisitos para alguém se tornar um “artista” no Brasil. Não importa se esse “artista” não tiver talento algum. Tendo, pelo menos, um dos três requisitos que citei acima – essa pessoa torna-se “artista” e pronto. Inteligência, cultura e originalidade são palavras com significados vagos na interpretação do telespectador. O Brasil está embrulhado para presente e exposto na tela de uma TV. O que há dentro desse presente é o que menos importa ao seu povo.

Então, fico olhando para aqueles “artistas” sorridentes e esbaforidos do Dança no Gelo. Eles sentem-se heróis. São vitoriosos em um país de miseráveis. Homens e mulheres invejados por seus semelhantes. Todos expostos numa vitrine de ilusão. E no meio do programa o apresentador Faustão faz um questionamento que mudará a vida de todos. Os “artistas” pensam profundamente antes de exprimirem suas opiniões. É preciso uma análise profunda para não decepcionarem o apresentador e seus telespectadores. Faustão quer saber quem matou uma personagem da novela. O país fica em silêncio com a mesma dúvida e a tola curiosidade. Mas, os “artistas” não podem ou não sabem dizer nem isso.

Dança no Gelo é um retrato do país onde vivo: superficial e medíocre. De uns tempos para cá, o ato de pensar transforma alguém em ultrapassado e chato. Todo mundo tem aquele amigo mais introspectivo e que é visto como sem graça pelo restante da turma. O Brasil não quer ser um país sem graça. Ele valoriza o carnaval, o futebol e a televisão. O país parece sempre estar em férias. Todo ser humano sonha com férias. O Brasil torna-se, assim, o paraíso. O lugar perfeito para se viver, mesmo que seja somente através da telinha. Acredito que, para deixarmos de ser humanos, e nos tornarmos BURROS (com letras garrafais), basta um controle-remoto na mão, e um domingão à tarde, na frente de uma TV. Que pena: estamos nos desmanchando como gelo.

Nenhum comentário: