segunda-feira, 23 de julho de 2007


Esporte: um jeito civilizado de se fazer a guerra

Até o dia 29 o Brasil é palco dos Jogos Pan-Americanos do Rio de Janeiro. Não tenho tempo de ficar na frente do televisor olhando as inúmeras competições que ocorrem, mas adoro esporte. Tenho que confessar neste texto que nunca fui um esportista. Minha principal atividade, ao longo da vida, sempre foi cuspir palavras através de uma caneta. No entanto, acho bonito a prática esportiva. Não sei quem foi o louco que disse: esporte é um jeito civilizado de se fazer a guerra. Palavras sábias. Elas me influenciaram no título deste texto. Elas me influenciaram, também, na forma de enxergar a vida e o mundo, além das palavras. Portanto, atenção nunca é demais.

No mundo que vivemos não existe Santo. Isso é fato. A disputa permeia todas as situações de nosso cotidiano, desde a hora que nascemos. Aliás, no ato da fecundação já existe uma disputa ferrenha para se decidir qual espermatozóide fecundará primeiro o óvulo. Deste momento em diante, as guerras, civilizadas ou não, se proliferam como vermes nos restos de carne que apodrecem entre os transeuntes. Somos vermes de nós mesmos e disputamos nossos próprios restos a cada fração de segundo. Mas, deixemos de lado minha filosofia rasteira.

Final de semana passado aproveitei minhas horas de folga para sentar no sofá e observar atentamente algumas disputas do PAN 2007. Tive vontade de matar alguns norte-americanos do judô. Tive vontade de matar algumas cubanas do handebol feminino. Tive vontade de matar alguns equatorianos do futebol masculino. Tive vontade de matar alguns argentinos do handebol masculino, mas aí nenhuma novidade, pois argentino bom é argentino morto mesmo. Eu era um animal feroz na frente do televisor. Deixo aquela conversa, para boi dormir, de que esporte é amizade, para os próprios esportistas. Eu fui um guerreiro na frente do televisor durante todo o final de semana. Eu queria sangrar os inimigos. Eu queria trucidá-los. Eu queria esquartejá-los. Eu queria vencer, independentemente do custo.

Armado com um controle remoto nas mãos eu assistia a todos os esportes que a televisão me permitia acompanhar ao vivo. Na verdade, eu não assistia somente. Eu estava lá junto com o demais soldados de minha pátria. Eu gritava. Eu levantava do sofá. Eu xingava. Eu pedia calma. Eu dava orientações para os meus companheiros. Eu orientava a mim mesmo. Entristecia-me na derrota. Alegrava-me na vitória. Era suor, sangue e lágrimas. Está bem..., concordo que não havia suor algum em mim, enquanto sentado no sofá. Concordo também que não havia sangue – graças a Deus. Tenho que concordar, também, que não havia lágrimas em nenhum momento. Há, aqui, neste texto de uma terça-feira de trabalho, apenas o exagero de um poeta louco. Mas, no último final de semana, eu estava no clima, caro leitor amigo do Comunique-se. Você me entende?!

O Homem ainda é um primata e isso precisamos admitir antes de qualquer coisa. Quando se disputa um esporte as justificativas são incrivelmente boas e coerentes. Os benefícios físicos, mentais e, também, sociais, com a prática esportiva, são incontestáveis. O prêmio dado ao vencedor, seja um troféu, uma medalha, um carro ou dinheiro vivo, também ajudam o esporte a ficar mais bonito e gratificante. E os guerreiros brigam entre si. Eles odeiam uns aos outros com permissão e sem nenhuma recriminação posterior. Só recompensas. No esporte tudo é permitido, até derramar sangue alheio num combate de boxe. Basta ter regras, juizes, aplausos e prêmios. Não necessariamente nesta ordem.

Mas, mas e (mais um) mas..., não tenho escutado falar em violência no Rio de Janeiro nos últimos dias. Os morros cariocas continuam nos mesmo lugares, obviamente. Os fuzis AK-47 continuam entrando ‘clandestinamente’ no país, obviamente. Os traficantes continuam fazendo o seu ‘trabalho’, obviamente. Tudo é óbvio e deprimente – mesmo o país vivendo duas semanas de esporte e alegria. Peraí...! Alegria?! Muitos dos mais de 200 corpos do acidente do vôo 3054 da TAM, ocorrido na terça-feira passada, 17-07, ainda não foram identificados.

Voltando ao final de semana, o Comando da Aeronáutica informou que a caixa preta do avião, enviada para os Estados Unidos na semana passada, era, na verdade, um gravador. Bem..., eu não saberia reconhecer a caixa preta de um avião, mas até aí nenhum problema. No entanto, o Comando da Aeronáutica também não sabe e aí temos um novo e enorme problema. Caro leitor amigo do Comunique-se, abra os olhos, a guerra é contínua, não dura apenas duas semanas. O inimigo não está, necessariamente, num dos continentes americanos, ele pode estar aqui do lado e ser tão brasileiro quanto eu ou você. Políticos são filhos de uma puta (sem exceção à regra). Eu não conheço jeitos civilizados de fazer uma guerra, portanto só vou nela armado. Minha arma é a caneta e a sua, caro leitor amigo do Comunique-se, qual é?

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